terça-feira, 27 de março de 2012

cordel Chico Rei

CHICO REI EM CORDEL
Autor Olegário Alfredo (Mestre Gaio)
Membro da ABLC e ALTO.

CHICO REI

A vida que nos rodeia
É feita de brevidade
Viva bem com alegria
Deixe de lado a vaidade
Agradeça todo dia
Nosso Pai da Eternidade.

À Senhora do Rosário
Padroeira do congado
Cubra todo ser humano
Com seu manto sagrado
Iluminai nosso caminho
E a Deus seja louvado.

Vou narrar daqui pra frente
O que trago na memória
A vida de Chico Rei
Sua dor e sua glória
Que se tornou para Minas
Um marco de nossa história.

Chico Rei teve este nome
De batismo no Brasil
Francisco precisamente
Marca de gente civil
Como escravo ou como rei
Sempre dócil e gentil.

1

Chico Rei foi um Soba
Nascido no reino congo
Foi criado na riqueza
E no batuque do jongo
Era muito inteligente
E de pensamento longo.

Chico Rei vivia antes
Em sua tribo sem zanga
Usava colares de ouro
Em formato de miçanga
Cujo verdadeiro nome
De real era Calanga.



Tudo mesmo começou
No tempo da escravidão
Onde os negros africanos
Sofrendo desolação
Tratados por homens brancos
Como entes sem coração.

Muitos negros como escravos
Foram pra muitos países
Levados por gente branca
Arrancados das raízes
Cruelmente eles viviam
Maltratados e infelizes.

2

No Brasil, colônia rica
De posse de Portugal
Trabalhar como escravo
Era rotina normal
No princípio no engenho
Dentro do canavial.

Decaído o ciclo da cana
Que foi muito duradouro
Minas Gerais de repente
Tornou-se um fervedouro
Os bandeirantes por lá
Descobriram muito ouro.

- Queremos escravos bons!
Nas Minas lá dos Gerais
Que trabalhem noite e dia
Como loucos animais.
Diz o Rei de Portugal
Em palavras guturais.

Os caçadores de negros
Abutres e carniceiros
Raptar tribos de reis
Queriam ser os primeiros
Assim dessa selvageria
Surgem os afros brasileiros.

3

De volta pro Reino Congo
Veja bem o sucedido
O reinado de Calanga
Viu-se todo invadido
Começa a destruição
De um povo tão querido.

Calanga na sua tribo
Era monarca guerreiro
E do Deus Zámbi-Apungo
Um sacerdote cordeiro
Prosperidade pro povo
Era o lema verdadeiro.

Mil setecentos quarenta
Com o templo iluminado
A tribo toda em oração
Para o seu Deus cultuado
Eis que surge lá de fora
Gritos de um povo assustado.

Eram piratas maldosos
Que invadiam o terreiro
Vinham pegar ser humano
Trabalhador ou guerreiro
E levá-los pro Brasil
A troco de bom dinheiro.

4

Todos rudes e perversos
Praticantes da maldade
Quando viam resistência
Matavam sem piedade
Mulheres como e crianças
Sem se importar com a idade.

Já sabiam os piratas
Da carga ser de valor
Era a Tribo do Calanga
Rei do Congo Imperador
Sendo ali toda humilhada
Diante a ordem do opressor.

De posse da captura
Do povo dessa Nação
Foram todos acorrentados
A arrastados pelo chão
Página negra da história
Símbolo da escravidão.

Debaixo da chicotada
Ritual de dura pena
Indefesos seres humanos
Sem ninguém deles ter pena
Levados para embarcação
Com nome de “Madalena”.

5

Choros e gritos horríveis
Eclodindo pelo ar
O rei daquele reinado
Não tinha como lutar
Transformando-os em escravos
Partiram para além mar.

A carga de ébano humano
Pronta para travessia
Do grande Oceano Atlântico
Para nova moradia
Um lugar desconhecido
Lar feito de covardia.

A família de Calanga
Se vendo submergida
Não podia pressentir
Que a dor daquela partida
Logo representaria
A travessia da vida.

Pelo mar vai o “Madalena”
Carregado de alimento
E pelos porões soturnos
Muita dor e sofrimento
Corpos nus amontoados
Num inferno fedorento.

6

Três andares de porões
No grande navio negreiro
Acorrentados pelos pescoços
Amontoados no poleiro
Ia o reinado de Calanga
Para o solo brasileiro.

Muita dor e sofrimento
Também sangue aos borbotões
Os que ali morriam
Impedidos de perdões
Decerto seriam comidos
Por famintos tubarões.

Tempestuosa viagem
Para a terra do sem-fim
A presença do diabo
Afastava o querubim
Vai-se o Rei do Reino Congo
Sem riqueza, sem marfim.

Logo vem a tempestade
Grita o chefe sem parar
- Joguem tudo que puder
Nas profundezas do mar
Corremos imenso risco
Da embarcação afundar.

7

Muitos negros também foram
Atirados no oceano
Mais de duzentos sabemos
Fazia parte do plano
Noite de carnificina
Cometidas com o humano.

Os navegantes afoitos
Com medo da castidade
Pegam a Rainha e sua filha * (a Rainha Djalô e filha Ítulo.
Sem nenhuma piedade
Oferecem os dois corpos
Ao Deus da tempestade.

Assim pensavam eles
O mar vir em calmaria
Negro não é ser humano
São filhos da selvageria
Oferenda para os deuses
Quando estão em euforia.

E chegam em terra firme
Só Calanga e seu filho
Talvez com mais cem escravos
No baticum do estribilho
Atirados pelo chão
Corpos nus, olhos sem brilhos.

8

No mercado negro à venda
Passavam o dia inteiro
À espera de comprador
Que tivesse bom dinheiro
Ficavam mirando o mar
Lá no Rio de Janeiro.

No Brasil o Rei Calanga
Agora era o Chico Rei
Adotou o catolicismo
Batizado por um Frei
Estava ele consciente
De seguir a nova lei.

Chico Rei religioso
Nos princípios da irmandade
Atraiu para o seu lado
Major Augusto de Andrade
Um escravista humanitário
Que odiava crueldade.

Chico Rei e seus confrades
Aportados pelos cais
Acreditava na força
Lá de seus ancestrais
O destino assim se fez
Ir para Minas Gerais.

9

O Major sentiu firmeza
No bando da negraiada
Assim a sua vendagem
Por lá foi negociada
Começaria naquele instante
A nova e dura jornada.


A viagem para Minas
Foi toda feita a pé
Escalando a Mantiqueira
Das alturas pro o sopé
Chico Rei tomava frente
Ancorado pela fé.

Morando no novo solo
Terra da gente mineira
Chico Rei e os companheiros
Vindos de Tribo guerreira
Foram trabalhar na Mina
De nome “Encardideira”.

Esta Mina pertencia
Ao forte Major Augusto
Escravista considerado
Como ser humano justo
A ele Chico prometera
Achar ouro a todo custo.

10

Pois a Mina Encardideira
Era a melhor da região
Em dia de chuva forte
Achava o ouro de aluvião
E tudo isso alegrava
Ao generoso patrão.

Vila Rica era a Comarca
E que hoje é Ouro Preto
Muita língua misturada
Verdadeiro dialeto
Tupi, português, africano
Eram à base do esqueleto.

Mas com o passar do tempo
Vê-se a riqueza terminada
Para outra mina de fato
A turma seria levada
O Major Augusto Andrade
Larga a mina abandonada.

O pouco que Chico Rei
Ganhava no labutar
Guardava todo vintém
Em um seguro lugar
Pois a sua alforria
Um dia iria comprar.

11

Chico Rei a essa altura
Já falava o português
E passara a ser feitor
E com todos era cortês
Uma herança adquirida
De seu povo congolês.

Tratava com igualdade
Todos em sua redondeza
Sendo branco ou escravo
Da pobreza ou da riqueza
Respeitava com amor
Sobretudo a Natureza.

Quem com ele trabalhava
Se sentia muito bem
Chico Rei catolizado
Em tudo dizia amém
A sua filosofia era
Nunca amolestar ninguém.

Há tempos em Ouro Preto
Todo povo já dizia
A turma de Chico Rei
Para comprar a alforria
Nos cabelos punham ouro
E na igreja no lavadouro
O ouro ficava na pia.

12

A turma de Chico Rei
Não davam ponto sem nó
Sabiam que os maus feitores
Nunca deles tinham dó
Então por entre as unhas
Escondiam o ouro em pó.

Um rei não perde o reinado
Nem perde a sabedoria
Chico Rei tinha certeza
De tudo que ele fazia
Pois este ouro recolhido
Era o sinal da alforria.

O Major naquela altura
Levava vida bizarra
E não é que a Encardideira
Sem ter porque foi à garra?
Os negros em zombaria
Viviam em algazarra.

- Será que o Major Augusto
Colocará a Minas à venda
Ela que há tanto tempo
Foi a maior fonte de renda?
- Diziam os negros livres
Na porta de uma vivenda.

13

Um dia de domingo livre
Chico Rei em passeadeira
Sonha com Santa Efigênia
Lá na Mina Encardideira
Dizia que ele libertaria
Os negros pra vida inteira.

Trabalhando sem parar
Além da capacidade
Chico Rei pelas ladeiras
Daquela rica cidade
Com o dinheiro que ajuntou
Comprou sua liberdade.

Chico Calanga, agora forro
Sente a vida melhorar
E o seu filho certamente
Logo iria alforriar
E a Mina Encardideira
Poderia já comprar.

Vai-se a vida contra o tempo
Tempo que não volta mais
A saudade era tamanha
Da África e seus rituais
Bons ventos da liberdade
Sopram por Minas Gerais.
14

Com fé em Santa Efigênia
E a Senhora do Rosário
O Rei negro sempre tinha
Devoção no escapulário
Dessa forma transformou-se
No mais fiel libertário.

Comprou sua liberdade
A do filho em seguida
E depois toda Nação
Por longa data sofrida
Agora se viam livres
Da chaga vil da ferida.

A tribo de Chico Rei
Juntamente com seu filho
Pelas ruas caminhando
Nos olhos um novo brilho
A palavra lava a lavra
Já não dá no trocadilho.

Chico Rei religioso
Com espírito da luz
Com seu povo escravizado
Constrói apoiado em Jesus
A Igreja Santa Efigênia
Lá no alto Morro da Cruz.

15

Pelos anos em seguida
Apoiado na Irmandade
Da Senhora do Rosário
Viu nascer à liberdade
Nos tambores da congada
Pelas ruas da cidade.

Este rito se espalhou
Por todas Minas Gerais
Os cortejos transmitiam
Mensagens celestiais
Vindo de Zámbi-Apungo
Terra de seus ancestrais.


Todos cristãos de Ouro Preto
Chegando seis de janeiro
Elegem um Chico Rei
E passam o dia inteiro
Em procissão pelas ruas
Relembrando o cativeiro.

16

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